A preocupante crise no Afeganistão
- #EquipeFernando
- 17 de ago. de 2021
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As imagens vindas de Cabul e de todo o Afeganistão são estarrecedoras. Milhares de pessoas tentando fugir do novo governo Talibã, que volta ao poder depois de vinte anos. Gente caindo de aviões superlotados, estradas abarrotadas de carros e pessoas a pé na busca de refúgio, principalmente no Irã e no Paquistão, agravando ainda mais a crise dos refugiados no século XXI que, segundo a ONU, já somam mais de 82 milhões de pessoas. A tomada de Cabul, capital afegã, foi extremamente rápida e se materializou com a fuga do presidente Ashraf Ghani.
Apesar de não ter saída para o mar, a localização geográfica do Afeganistão (faz fronteira com Irã, Paquistão e China – entre outros- além de ter proximidade com Índia e Rússia) tem relevância na geopolítica da região. Há muito o povo afegão vive uma história repleta de ocupações e sem nenhuma política independente de autodeterminação. Desde o início do século XX, com a tentativa de dominação britânica, mas principalmente no pós-segunda guerra, foi tremenda a influência da URSS, que à época já não tinha nada de socialista. Por um breve período o Afeganistão experimentou um governo menos repressor, mas durou muito pouco. No início da década de 1990, com a retirada das tropas russas, o Talibã ganha força com um discurso baseado na redução da corrupção e na restauração das rotas comerciais internas.
Em 1996 o Talibã chega ao poder e implanta um regime de extrema direita que inclui a completa restrição a direitos humanos básicos como educação para mulheres, direito de dispor sobre o corpo (homens foram obrigados a deixar a barba crescer e mulheres a cobrir todo o corpo), escravidão sexual de meninas com mais de 15 anos e viúvas com menos de 45 anos que são obrigadas a “casar” com guerrilheiros, destruição de monumentos históricos e a queima de milhares de livros, além de uma repressão tremenda. Ao servir de base para operações terroristas, incluindo a Al-Qaeda, o governo foi cúmplice dos atentados às Torres Gêmeas.
Em 2001, logo após os ataques de 11 de setembro nos EUA, uma coalizão de países, obviamente liderados pelo governo estadunidense, invade o Afeganistão e derrota política e militarmente o governo afegão. A ocupação americana foi desastrosa. Não se sabe ao certo os números reais, mas pelo menos 120 mil civis afegãos foram mortos, pelo menos 60 mil soldados das forças de segurança e pelo menos 3 mil militares americanos e britânicos. Além disso cerca de 2,3 trilhões de dólares foram despendidos na ocupação, transformando esta na mais cara operação militar da história. O exército oficial do governo afegão, treinado e armado ao longo dessas duas décadas pelos americanos, sequer esboçou reação ao Talibã. O armamento de última geração que tinham já caiu em mãos da guerrilha e servirão agora para manter o governo jihadista.
Muitos analistas já comparam essa retirada das tropas americanas, que mais parece uma fuga, com a derrota do Vietnã, sendo a primeira grande derrota de Biden. O desgaste parece inevitável, a ponto de Trump ressurgir das cinzas e para pedir a renúncia do adversário democrata, líder de um império que se julga a polícia do mundo e já realizou dezenas de ocupações em nome de sua hegemonia global. Não podemos naturalizar ocupações de países por tropas americanas. Isso é uma violência e uma violação de todos os tratados internacionais. Em nome de sua suposta democracia, invade e impõe, sob peso dos seus coturnos, os interesses geopolíticos. Inclusive, a própria Al-Qaeda de Bin Laden foi armada e treinada pelos estadunidenses para lutarem contra os soviéticos. O estado islâmico não existiria sem as armas americanas.
Sendo assim, não é difícil presumir que as preocupações de Biden não são com o povo afegão, como ficou bem nítido em seu discurso pós-retirada, quando demonstrou zero empatia com a situação local, com as mortes que ocorreram durante a superlotação do aeroporto de Cabul e como vai ficar a população agora nas mãos de um grupo islâmico extremista. A preocupação dele é com o avanço da China sobre a região. A China aliás, preocupada apenas com sua expansão imperialista, já reconheceu o novo governo e se dispõe a ajudá-lo, desde que o Talibã não estimule movimentos de independência de guerrilhas muçulmanas no território chinês.
Toda essa dramática situação evidencia que as principais potências mundiais não estão preocupadas com o bem-estar da população. O que foi gasto pelos EUA na ocupação daria para acabar com a fome no mundo, mas isso não passa pela cabeça de nenhum presidente estadunidense, seja ele democrata ou republicano. Para os governantes das principais potências (EUA, China, Rússia, Inglaterra, etc.), a geopolítica mundial se resume à disputa por mercados e as pessoas são apenas consumidores. Só um novo sistema, que supere essa mentalidade mercadológica e imperialista, pode gerar uma nova ordem mundial. Por isso reafirmamos a superação do capitalismo e a solidariedade internacional como indispensável na verdadeira luta socialista.
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